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domingo, 9 de junho de 2013

Assembleia de Bruxas # 2



Os famosos “contos de fadas” acompanharam grande parte da nossa infância, fosse através de desenhos animados, ou de livros ilustrados, ou, até, por parte de algum familiar com uma boa dose de paciência para contar histórias.

Certo é que, quando crescemos, nos apercebemos de que aquelas não eram histórias assim tão inocentes. No fundo, têm uma base de moral, usam uma simbologia que captámos automaticamente (os cordeiros são bonzinhos, os lobos são ruins, as raposas matreiras) e quem sabe não sejam uma forma de nos preparar para “a vida”. Ensinam-nos, por exemplo, que o amor é importante (seja o amor pela mamã, pelo namorado ou a dedicação a um trabalho, como é importante referir) e que não podemos confiar em estranhos (correndo o risco de ensinarmos o caminho da nossa casa ao “Lobo Mau”). Foram baseados em contos e lenda dessa Europa longínqua de há tantos anos atrás e chegaram até aos dias de hoje com muitas versões e, até, com versões mais suavizadas. O medo natural das crianças aumenta à noite. Acho que nenhum pai que se preze lhes quereria contar crueldades como bruxas castigadas a calçar sapatos em brasa. Temos de agradecer aos Irmãos Grimm e Perrault e tantos outros, que, no fundo, criaram parte do nosso imaginário.

Mas passemos ao que importa. Os contos de fadas e o seu toque sombrio fascinam-me. Já referi que as versões foram suavizadas, certo? Tal coisa não os torna mais inocentes. Com isto não quero dizer que deixemos de os ler às nossas criancinhas, bem pelo contrário! Façamos antes um exercício: pensar nos elementos cruéis e perturbadores que estão disfarçados por bruxas e lobos.



Predadores sexuais?

Lembram-se do famoso Capuchinho Vermelho? Nesse conto, uma menina indica o caminho até à casa da avó ao lobo. O lobo come a avó. E só não come a menina porque, felizmente há um caçador, ou lenhador, ali por perto.

Ora, o homem sempre foi ameaçado pelo lobo, aquele animal feroz que rondava rebanhos e uivava como um demónio. Mas o conto é um aviso sobre o lobo de 4 patas, ou de um de 2 patas?

Pensemos também na Rapunzel. Agora não falo da versão toda bonitinha e fantástica da Disney. Façam lá o favor de ir pesquisar a versão Grimm se não a conhecem do tempo em que acordavam cedo e viam o genérico da SIC. Já sabem qual é?

Ora, a bruxa e a vizinha fazem um acordo. Já que a mulher comeu os rabanetes roubados, a vilã fica com a bebé. Quando a bebé cresce e se torna num linda menina tranca-a numa torre muito alta com uma única janela, para não ser vista por nenhum homem.

Por que raio é que uma mulher quer trancar uma “filha” na torre? Super-protecção maternal e uma forma de dizer às meninas “os homens são tão perigosos que até a bruxa esconde a filhinha”? Ou quereria a criança apenas para ela? Hum… Não, não falo de fazer só companhia. Adiante.



Aristocracia cruel:

Pensemos na Rainha Má da Branca de Neve. A História europeia foi marcada por alguns nobres cruéis, e tanto Vlad Tepes, a inspiração para “Drácula”, de Bram Stoker, como a Condessa Báthory, por exemplo, foram figuras que deram que falar pelos seus actos menos ortodoxos. Bárbaros, aliás. De certeza que acabariam por se imortalizar à volta da lareira.

Uma rainha assassina num conto infantil é apenas mais uma vilã inquietante. Mesmo que peça o coração da enteada – como prova de que tinha morrido ou para acrescentar ao menu daquela noite?

E os reis que eram Ogres, como a Rainha Ogre, mãe do Príncipe da Bela Adormecida, que aparece em versões mais antigas? Numa colecção linda que o Circulo de Leitores lançou (e depois passou para as mãos da editora Civilização) ainda existe esta personagem no conto. Não sei por que razão a Disney não a quis aproveitar, já que seria potencialmente mais perturbadora do que a Malificent. Era uma avó tão fofinha, tão fofinha, mas tão fofinha, que planeava comer os netos. Prefiro falar dela no próximo ponto da lista.

De qualquer forma, a nobreza deve ter sido bem cruel para figurar desta forma no imaginário do povo.

Lembram-se do “Barba Azul”? Era um homem de posses que mantinha os corpos das esposas assassinadas por ele num quarto. Logo por acaso a esposa recente era curiosa – uma coscuvilheira, digo antes - e foi espreitar. Felizmente, depressa a socorreram os irmãos, ou acabaria por figurar ao lado das “colegas”. Se bem me lembro, Henrique XVIII também mandou matar 2 das suas mulheres. Uma referência? É claro que o Barba Azul também poderia apenas querer divertir-se um bocado e a coisa dar para o torto. É tão agradável pensar nos contos infantis como frutos da imaginação de uma qualquer avó mais criativa (*ironia).



Canibalismo:

Existe todo um leque de personagens que come criancinhas ao pequeno-almoço. Já falei da Rainha Mãe Ogre. Quando a Bela Adormecida chega ao palácio do Príncipe com 2 rebentos (que isto nos contos vem sempre aos pares) tem mais um desafio pela frente. Uma sogra que é um Ogre. Mas um Ogre a sério, daqueles que come humanos! E que se baba com os belos netinhos que o casalinho lhe deu.

Há outro Ogre assim – ou Gigante, nalgumas versões - com tendência para comer criancinhas: o Ogre do Pequeno Polegar. Os meninos são postos a mexer lá de casa – ou perdem-se, segundo a versão – e “acolhidos” na casa dos Gigantes. E o gigante Marido lambe-se logo.

Já em Hansel e Gretel a ideia é similar, mas chegam à boa da Casinha de Guloseimas – ou Gengibre - e a bruxa decide engorda-los para as próximas refeições. Por que razão a velhinha (não há nada que indique que é uma bruxa, para além da dieta digna da fogueira) quer comer crianças? Estará assim tão esfomeada, lá no meio da floresta? Não preferiria um coelhito ou uns passarinhos fritos?

Porquê esta vontade de comer crianças? Pedofilia dissimulada (estou a bater na mesma tecla, eu sei) ou canibalismo puro e duro? Não esqueçamos que o povo europeu nem sempre teve a barriguinha cheia. A fome apertou muitas vezes e de certeza que levou a actos extremos como… Ok, vou parar por aqui. Não gosto muito da imagem que apareceu agora na minha mente. Vocês perceberam. Seria assim tão fora do comum comer-se os recém falecidos?

Ou quem, sabe, recuando no tempo, não seja uma memória distante dos Neandertais a comerem os nossos “pobres” ascendentes, na floresta? A ideia do Ogre canibal (personagem feia, entroncada e comedora de homens) de algum lado veio. Quem sabe.



Necrofilia:

A Branca de Neve e a Bela Adormecida estão ali, deitadas, adormecidas que nem uma falecida e chega lá o Príncipe respectivo e PÁS! Pespegam-lhes um beijo de “amor” porque são bonitas (!?). Não terá sido mais do género "ena, uma gaja! E está quietinha! Vou aproveitar!" Numa das versões da Bela Adormecida, a dita foi violada pelo Príncipe enquanto dormia – que amor puro e inocente. Quem é que, no seu juízo perfeito, vai beijar uma moça – ou fazer mais alguma coisa – aparentemente morta?!



Bruxas:

Porque é que as vilãs são bruxas? Não podem ser apenas uma rainha má, uma mãe má, têm que ser bruxas? Nem sempre se fala dos seus poderes mágicos. São bruxas. Ponto. Uma forma de esconder a realidade às criancinhas? “Não, não há mães más. Esta era má porque era bruuuxa”)? Ou a típica tendência da nossa cultura judaico-cristã (sim, é assim que se apelida, com todo o respeito) de designar como bruxa qualquer mulher dotada de 2 palmos de testa?


Por agora é tudo. Caso queiram divertir-se com a leitura de um artigo sobre as versões mais antigas dos contos "infantis" cliquem aqui.

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