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quinta-feira, 17 de março de 2016

A Cidade e as Serras

Nota: Mantive o nome do autor "Queiróz" por concordância com o livro, no entanto encontrei-o escrito como "Queirós" em alguns sites.

O desafio de clássicos a que me propus no início do ano não está a correr da melhor forma. Se por um lado não estou a cumprir as leituras obrigatórias, por outro ando a ler clássicos que não estavam na lista... Só por aqui já podem ver até ponto sou uma pessoa teimosa. Mas ok, nem tudo é mau. O que importa é ler clássicos. 

Como já disse por aqui algumas vezes, a Guerra&Paz está a editar uma colecção de clássicos com estas capas giríssimas. A Cidade e as Serras, de Eça de Queiróz foi-me cedido pela editora para uma opinião honesta e confesso que esta tem sido a pior parte: escrever a opinião. Mas permitam-me começar por vos enquadrar na história, esperando que depois disso a opinião se escreva naturalmente.

A Cidade e as Serras foi o último livro escrito por Eça de Queiróz, que faleceu em 1901 ainda durante o processo minucioso de revisão de texto, pelo que a obra só foi publicada após a sua morte. No fim da sua vida, Eça conhecera Paris do final do século XIX e, numa carta endereçada a uma parente aristocrata, relata "Deus nos dê paciência para aturar a civilização". O personagem principal da história é Jacinto, descendente português, mas cuja família emigrou para França ainda antes do seu nascimento. Quem narra a história é o seu grande amigo Zé Fernandes, também descendente português, que começa a narrativa por nos descrever Jacinto não pelo que ele é, mas pelo que ele tem.

O meu amigo Jacinto nasceu num palácio, com cento e nove contos de renda em terras de semeadura, de vinhedo, de cortiça e de olival.

A sua quinta e casa senhorial de Tormes, no Baixo Douro, cobriam uma serra. Entre o Tua e o Tinhela, por cinco fartas léguas, todo o torrão pagava foro. E cerrados pinheirais seus negrejavam desde Arga até ao mar de Âncora. Mas o palácio onde Jacinto nascera, e onde sempre habitara, era em Paris, nos Campos Elísios, n.º 202.


O 202, como é sempre referido o palácio de Jacinto é um autêntico museu da bugiganga, com máquinas e acessórios para fazer todo o tipo de serviço, e uma vasta biblioteca com livros dos grandes pensadores de todas as áreas da ciência. E isto era a civilização, rica em conhecimentos e novas engenhocas desenhadas para facilitar o dia a dia dos aristocratas de Paris. Só que para Jacinto tudo era aborrecido, uma maçada. Viver sem toda aquela civilização seria impensável, mas por outro lado nada lhe dava entusiasmo, ou sequer vontade de sair da cama pela manhã. As conversas circunstanciais nos serões de convívio aborreciam-no de morte. Aos poucos, Zé Fernandes reparou que no meio de toda aquela civilização, o seu príncipe não era feliz, envelhecia rapidamente, estava magro como um esqueleto e, aos poucos, crescia-lhe uma corcunda nas costas.... 

A certa altura, Jacinto vê-se obrigado a viajar para a sua quinta em Tormes, para presenciar uma cerimónia de transladação de ossos dos antigos Jacintos para a capela de família. Zé Fernandes acompanha-o, juntamente com um pouco de civilização - o suficiente para terem algum conforto no meio da serra. Assim, partem com dois criados, um telescópio, camas de pena, banheiras de níquel, lâmpadas de Carcel, divãs profundos, cortinas para vedar as gretas rudes, tapetes para amaciar os soalhos broncos....

-Vê tu, Zé Fernandes, que felicidade!... Saímos do 202, chegamos à serra, encontramos o 202. Não há senão Paris!

Mas a viagem torna-se atribulada e pelo caminho, perdem-se os criados e a civilização que levavam para Portugal. E é durante a primeira noite em Tormes, quando Jacinto consegue ver o céu estrelado pela primeira vez e se delicia com as favas portuguesas, que a sua vida começa a mudar.

Esta não foi uma leitura fácil. Já se sabe que ler Eça nem sempre é fácil. A forma minuciosa como ele nos descreve os cenários e tudo o que se passa à volta dos personagens, apesar de enriquecedor e de nos proporcionar uma imagem mental da época muito precisa, também se pode tornar cansativo. Senti necessidade, ali pelo meio do livro, de fazer uma pausa e ler um romance leve e rápido de forma a recarregar as baterias e voltar em força à leitura de A Cidade e as Serras. E resultou. Depois desta pausa, terminei a leitura em dois serões e cheguei ao fim com uma sensação de satisfação. Eu gostei muito da história, mesmo com os momentos mais difíceis.

Apesar da história decorrer nos finais do século XIX, quando a tecnologia evoluía e se inventavam máquinas até para atar os cordões dos sapatos, a tristeza e a monotonia em que vive Jacinto pode ser uma crítica muito actual à sociedade dos dias de hoje, em que damos cada vez mais valor à tecnologia em deterioramento da natureza. Fechamo-nos em  casa a carregar em botões (do computador, do telemóvel, da tv, da máquina de lavar, do interruptor da luz....) enquanto a vida é muito mais que isso. Temos a informação a um click de distância e, no entanto, somos cada vez mais desinteressados. É uma boa obra de introspecção.

Lá pelo meio ainda encontrei uma referência a Castelo de Vide, que apesar de não ser nada de espectacular, me deixou animada e me levou a questionar se o autor alguma vez terá visitado a minha vila. No meio de tanta terriola portuguesa, não terá sido por puro acaso que a mãe do Sr Silvério levou uma cornada na virilha logo em Castelo de Vide.

E é isto. Terminei a leitura com alguma pena de não conhecer melhor a prima Joaninha. Adorava saber o que ela pensou quando conheceu Jacinto e o que a levou a apaixonar-se por ele. Na minha cabeça é um pouco como se a Penny se apaixonasse pelo Sheldon Cooper (conseguem imaginar?), por isso gostava de ter lido mais sobre esta relação. Mas não sendo possível, dou-me por satisfeita. Vocês já leram esta obra do Eça? Contem-me o que acharam e deixem-me mais sugestões :)

Post recomendado:

Duas Edições, O Mesmo Livro: A Cidade e as Serras



7 comentários:

  1. Olá, Spi :D adorei a tua opinião :D está excelente. Fiquei com vontade de tb um dia - um dia - dar uma oportunidade ao livro (algures na estante da "senhora minha mãe" acho que está lá um exemplar). Realmente, fazes uma boa comparação com os tempos actuais. Se calhar todos precisávamos de fazer um retiro longe da "civlização" para apreciarmos as pequenas coisas sem queixinhas.

    beijinhos e boas leituras

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    1. Ahahaha percebo esse teu "um dia". A verdade é que me deu alguma coragem para ler Os Maias - um dia!
      Acho que antes de Os Maias, ainda devo ler O Crime do Padre Amaro, que me ofereceram na passagem de ano (esqueci-me de te contar!)

      Mas planos à parte, penso que ias gostar da história. O Jacinto ao início fez-me alguma confusão, mas depois de vir para portugal comecei a gostar dele. E apesar de ele sofrer uma mudança um nadinha brusca, o autor conseguiu fazê-lo de forma convincente. Gostei muito disso :)

      beijinhos

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    2. Ah, então qualquer "dia" estás a lê-los :D olha, bem fixe!
      beijinhos

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  2. Olá
    Já li Os Maias e A Relíquia e gostei dos dois. Este é o que quero mais ler do autor.
    Ainda bem que gostaste :)
    Beijinhos

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    1. Olá Sara,

      Lembro-me de me contares isso quando fiz um post sobre Os Maias. Como não é o primeiro livro de Eça que lês, acredito que não sintas tanto a dificuldade que eu senti nas partes mais descritivas. Espero que também gostes quando tiveres oportunidade de o ler :)

      beijinhos

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  3. Olá Sofia!
    Sim, a escrita de Eça não é fácil e só com a idade é que comecei a apreciar.
    Já li este livro e gostei bastante. E queria ver se este ano relia finalmente Os Maias (ando a dizer isto há tanto tempo eheheh)
    É certo que já li uns quantos livros do autor mas quero ler ainda mais mas... tempo para ler tudo o que quero? =P
    Beijinhos

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    1. Olá Tita,

      Eu também ando há séculos a dizer que vou ler os Maias e ainda não consegui. Vão aparecendo outras leituras mais simples e outros clássicos mais "apelativos"

      beijinhos

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