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sexta-feira, 8 de abril de 2016

Carta aberta à Imprensa - Guerra&Paz



Querida Irmã Imprensa,

Obrigado. Com que outra palavra poderia começar esta carta de amor e respeito? Repito, obrigado.
Eu, Guerra e Paz, já ando de braço dado contigo há dez anos. A 10 de Abril de 2006, na sessão do meu nascimento, na Fundação Gulbenkian, estávamos juntos, jornais, rádios, televisões e livros. Estreámo-nos com um novo livro de Agustina, Fama e Segredo na História de Portugal, que ainda não sabíamos que seria o último da nossa grande autora. E, ao lado de Agustina, estava outro livro, a lição ética, cívica e de sabedoria que é a Correspondência entre Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner.


Ano a ano, fomos publicando 40 a 50 novos títulos. E confirmámos, nestes dez anos, a mudança do mundo. Os olhos que nos liam, que liam livros e jornais, que ouviam rádio e viam plácida e descansadamente filmes e televisão, movem-se à prodigiosa velocidade da luz de iphones para tablets, de laptops para plasmas. Hoje, temos um Usain Bolt em cada olho: nenhum olhar pára mais do que 9,4 segundos em coisa nenhuma. Álvaro de Campos cantou, como os Futuristas, a velocidade. Sabiam lá eles o que era a estonteante velocidade.
A mudança só mete medo a quem só tem para oferecer o espectáculo da sua morte. A Imprensa, jura-vos este vosso irmão editor, não perecerá. Jornais, revistas, rádios, programas, noticiários, telejornais, televisões são a sala moral da civilização. À minha irmã Imprensa não a assusta a promessa de duas bofetadas, porque quando foi preciso não teve medo, apesar de desarmada e só de olhar puro, de levar um tiro no campo de batalha. Para melhor e mais limpidamente renascer, a seguir.
Os livros são, no meio dos mais extremos confrontos, um lugar de paz, quase inócuo, uma não-notícia. Mas vinha pedir-te, maninha Imprensa, que, no meio das tuas mil preocupações, dos leaks, dos off-shores, das armas de destruição maciça, não te esqueças deste teu irmão mais velho que é o livro. Porque é no livro que começam todas as notícias. Cada leitor de livros é um leitor atento dos jornais, cada leitor de livros é um inteligente ouvinte da rádio, cada leitor de livros é um interessado espectador de reportagens, de documentários, de histórias da televisão.


Sempre que um editor não vende um livro, quantos leitores perde um jornal? Que massa de pensamento crítico perde a rádio, a televisão e o cinema? É nos livros que começa a paixão da leitura. É nos livros que começa a paixão do pensamento. É nos livros que começa a paixão lúdica de ler, ouvir e ver histórias.
Por puro egoísmo que seja, para reforçares a massa crítica dos teus leitores, ouvintes e espectadores, não deixes no esquecimento o teu irmão mais velho. Querida Irmã Imprensa, mostra corajosamente nos teus jornais, rádios, televisões, esse anacrónico e bizarro artefacto chamado livro. Mostra as capas – os leitores gostam de ver capas – entrevista os autores que, se escreveram um livro, é porque alguma coisa têm para dizer. Mas sobretudo critica-os, analisa-os, comenta-os, porque se os livros te admiram, querida maninha Imprensa, é porque tu tens opinião própria e independente, porque tu só és o que és porque pensas pela tua cabeça. E mostra as capas e repete o título – acredita, não é espaço que desperdiças, é mais uma mente e um coração que ganhas para a tua batalha diária.


Sou a Guerra e Paz editores e faço 10 anos. Um ano de uma editora de livros vale por 7 anos humanos. Porque o livro é exactamente como o cão e por isso é que o livro é, também, o melhor amigo do homem. Neste 10.º aniversário, ao longo deste humaníssimo ano de 2016, publicámos ou vamos publicar clássicos da língua portuguesa, Os Maias e A Cidade e as Serras, de Eça, O Que Fazem Mulheres e o Amor de Perdição de Camilo, o Dom Casmurro, de Machado de Assis. Viste as capas, irmã Imprensa? Ah, e publiquei ou vou publicar clássicos universais, A Ilha do TesouroO Amante de Lady ChatterleyA Volta ao Mundo em 80 DiasO Retrato de Dorian Gray. E que lindas capas, que lindas capas, mana Imprensa!
Sim, confirmo, vai sair agora o Pequeno Livro Vermelho, de Mao Tsé-tung, depois de já terem saído o Manifesto Comunista e o Mein Kampf. Juro-te que nunca os viste assim, vestidos como graficamente os desenhei e vesti.


Bem sei, queres uma novidade. Já o pai Guttenberg me dizia que é da tua idiossincrasia. Olha, convido-te a vires dançar. O Leonard Cohen já nos dançou até ao fim do mundo. E gostámos. Eu convido-te a vires dançar um livro. Chama-se À Espera de Bojangles. Eu sei que gostas muito do Bojangles, da canção. Estás enganada se achas que não se pode ouvir uma canção da inenarrável e negríssima Nina Simone sair das palavras de um livro de um romancista francês. Solta-se música e borbulha neste livro o mais capitoso champagne. É uma criança de dez anos que nos conta tudo. Num livro que o pai e a mãe dela dançam, cantam e riem letra a letra. Por amor e com amor. O mesmo «amour fou», o mesmo amor louco com que tu, minha irmã Imprensa, e eu, editor, de meu nome Guerra e Paz, amamos a palavra, e pela palavra atraímos, seduzimos e levamos ao êxtase quem nos lê.

Teu irmão mais velho 

Guerra e Paz


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