Este blog não aderiu ao Novo Acordo Ortográfico!

domingo, 1 de novembro de 2015

O Dia dos Santos - repost


Este post não é novo, mas como é um tema actual lembrei-me de o publicar novamente. O texto foi originalmente escrito para o blogue de um amigo e copiado na íntegra para o Delícias, com alguns ajustes no Português.  A formatação ficou uma caca mas não consegui mesmo resolver o probelma... Não se assustem por eu dizer que o Dia dos Santos calhou a um sábado - não é sinal de demência, o texto é que foi escrito no ano passado. Espero que gostem!)


Com certeza já todos por aqui deverão ter ouvido falar da minha terra natal pois, apesar de ser apenas uma vila alentejana, gradualmente tem-se tornado conhecida um pouco por todo o mundo. Por vezes até aparecemos na televisão, seja pela altura da Páscoa ou em alguma reportagem que fale sobre a passagem dos judeus por Portugal, entre tantas outras ocasiões. Falo-vos de Castelo de Vide, uma pequena vila situada algures entre Portalegre e Marvão, onde podem encontrar imensos vestígios da história Portuguesa e com um vasto património cultural, entre tantas outras qualidades.
Acho que se pegarmos num calendário e apontarmos todas as romarias, festas e outras tradições de Castelo de Vide, dificilmente encontraríamos uma semana em que não se passe nada por cá. Já vos falei da Páscoa, que é talvez a festa que atrai mais turistas, mas há muitas mais que poderia referir. A Feira Medieval em Setembro, o festival de música alternativa Andanças em Agosto, o madeiro que arde todos os anos na noite de Natal para aquecer os mais carenciados, entre tantas outras datas importantes e tão nossas.
Este fim-de-semana, como bem sabem, comemorou-se o Dia dos Santos. Sim, eu sei que se comemora em todo o lado, mas em Castelo de Vide existe uma tradição que está cada vez mais a cair no esquecimento. Também há que lembrar que o dia 1 de Novembro já não é um feriado nacional e, como tal, é cada vez mais difícil fazer cumprir a tradição. Em parte porque as crianças não são dispensadas das aulas mas também porque os pais não podem deixar de ir trabalhar para acompanhar os filhos. E isto deixa-me triste pois recordo-me de passar o ano todo à espera que chegasse o Dia dos Santos, que me sabia ainda melhor que o Carnaval.
 Desta vez, o dia 1 de Novembro calhou em sábado o que permitiu que mais uma vez a tradição fosse cumprida. Pela manhã, bem cedo, as crianças reúnem-se em pequenos grupos e vão pelas ruas, batendo de porta em porta, a pedir os santos. Segundo os mais sábios, neste dia a festa celebra-se em honra de todos os santos e mártires. Cada criança leva uma bolsa, que por cá são as tradicionais bolsas de retalhos onde se guarda o pão, e recebem muitas vezes guloseimas, mas também nozes, romãs, castanhas, maçãs, e até alguns trocos.
As bolsas do pão - imagem retirada daqui

No meu tempo (sim porque já faço parte daquela faixa etária em que se pode usar expressões como esta), juntava-me sempre com uma prima. Temos a mesma idade e fomos sempre da mesma turma. Andávamos sempre juntas, fosse no Dia dos Santos, fosse no Carnaval ou fosse outro dia qualquer e nos apetecesse companhia para brincar. E lá íamos nós, ela com a bolsa do pão e eu com a minha bolsa, que não era feita de retalhos, mas sempre tive muito carinho por ela porque foi uma prenda da minha avó paterna. Era toda feita em renda azul clarinha, com um forro a combinar, e é uma das poucas recordações que tenho dela. Todos os anos as bolsas vinham cheias de rebuçados, pastilhas, chupa-chupas, e frutos da época. A minha prima detestava que lhe dessem fruta, principalmente nozes. E se as moedas fossem de 1 escudo, quase fazia caretas às pessoas (felizmente continha-se!). Qual é a criança que gosta de receber moedas de 1 escudo?? Ok, nenhuma. Mas não me fazia confusão. Normalmente eram as pessoas mais idosas que davam moedas pequenas. Se em todas as casas por onde passávamos nos dessem uma moeda de 1 escudo, ao fim da manhã estávamos ricas. Ok, não literalmente. Mas para uma miúda de 5 ou 6 anos, juntar cerca de 100 escudos já era uma pequena fortuna.
 Ao final da manhã voltávamos a casa para o almoço em família. Quando ainda era uma criança de colo, era o meu pai que me levava a pedir os santinhos à casa das tias e das vizinhas, enquanto a minha mãe ia para casa da avó ajudar com o almoço. E o que se come no Dia dos Santos, perguntam vocês? Só coisas boas! Não me perguntem porquê, mas por aqui é tradição comer um prato de papas de milho ao almoço, neste dia. As papas são acompanhadas de açúcar louro, mel ou apenas leite. Como nunca gostei de papas, não percebo quem é que se lembra de comer isto ao almoço (só um parêntesis para dizer que a minha mãe adora….). Passando à frente: migas! Ah que maravilha, não é? Umas belas migas de pão ou de batata, que por cá come-se das duas maneiras, já marchavam! Depois para sobremesa come-se o arroz doce, não por ser tradicional deste dia, mas porque qualquer ocasião especial por cá pede uma travessa de arroz doce à mesa.
Para além disto, também se costuma comer bolo finto, que não é bem uma sobremesa. Funciona mais como um snack ou uma gulodice para qualquer altura do dia. Não há ano que passe sem que chegue a esta altura e me recorde dos tempos da escola primária, em que a mãe de uma amiga (cujo pai era padeiro) entrava pela sala de aula com um saco cheio de bolos fintos mais pequenos, ainda quentinhos. Para além dos bolos serem deliciosos, só o gesto de carinho já nos deixava felizes. Era como o ponto alto do nosso outono: o dia em que nos ofereceriam bolos fintos. Eu sei, como éramos ingénuos…
E porque estou para aqui a contar-vos uma tradição de há minhentos anos e, ainda por cima, a falar-vos em comida? (Já vos falei das migas, certo?)
Porque a tradição está a morrer. E a cada ano que passa há menos crianças na rua a pedir os santinhos e há também menos pessoas a abrir a porta às poucas crianças que ainda o fazem. Ainda ontem encontrei um texto do Nuno Markl em que ele contava como foi a sua noite de Halloween, acompanhando o filho e mais algumas crianças no “trick-or-treating”.
Não tardou para que, de adulto fixe e irresistível, gerindo com bonomia um grupo de divertidas crianças, eu passasse a sentir-me o cabeça experiente de uma organização terrorista, usando os meus pequenos esbirros para espalhar o susto e a angústia entre a terceira idade. 

Uma senhora em roupão lamenta: "Mas eu estava deitada...". 

Outra senhora revela-se tão idosa que não consegue abrir a sua própria porta da rua. Ou então foi incrivelmente inteligente.

Outra senhora, outro roupão: "Eu não estava preparada para isto...". 

"Então vamos ter de fazer travessuras!", respondem os gaiatos, implacáveis. E eu penso: "Mais? Não chega obrigar senhoras de idade a levantarem-se?".


 No meio disto tudo, não percebo porque tentamos todos os anos adoptar uma tradição que não é nossa e que para nós não tem qualquer significado, excepto ser um bom pretexto para tirar os fatos de Carnaval do baú, e em paralelo atirarmos para trás das costas aquilo que é, de facto, nosso. Será que os meus filhos, que um dia terei, irão pedir os santinhos ou pregar partidas pela noite fora?
(Publicado originalmente no blog Leituras do Fiacha, o Corvo Negro, 3-11-2014)

6 comentários:

  1. Olá Sofia,
    Primeiro que tudo, sou daquelas pessoas que não gosta nem do Carnaval nem do Halloween e nos anos que criancinhas tiveram a infeliz ideia de virem tocar à minha campainha, saíram de mãos à abanar e não houve cá travessuras. Simplesmente nem abri a porta nem disse nada... ignorei-os. E sim, acho uma parvoíce estas "modernices" =P
    Confesso que não fiz parte da tradição do "pão por deus" ou "pedir aos os santinhos" mas conhecia (de ouvir falar) e realmente é a tradição do nosso país. Mas já se sabe, portuga gosta de "coisas estrangeiras".
    Beijinhos

    PS - e agora apetece-me um pratinho de migas de pão =P

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Tita,

      Por cá não se vê crianças a bater de porta em porta no Halloween /(por enquanto!). Os bares é que aproveitam para fazer as festas temáticas e há sempre uns quantos iluminados que aparecem mascarados... Eu continuo a achar que aproveitam para arejar os fatos de Carnaval heheheh

      Os portugueses imitam tudo! Originalidade? O que é isso??

      Eu comi migas de batata. Por acaso há muito que não como de pão :S

      beijinhos

      Eliminar
  2. Ois miga,

    O que mais gosto deste dia é ver a criançada a ir bater de porta em porta a pedir o "pão por deus" fico contente por ver que esta tradição se mantem :D

    Bjs

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Fiacha,

      Este ano notei mais crianças na rua. Ter calhado em domingo fez uma diferença enorme. Eu cá aproveitei para comer as migas e o bom do arroz doce. Que maravilha :)

      beijinhos

      Eliminar
  3. Vale a pena tê-lo "repostado", spi. É uma tradição a manter. Como sabes, não a vivi, mas quero passá-la para os "descendentes". Por acaso estava na casa do Hugo no Domingo, e achei piada ouvir a campainha tanta vez. Mesmo em Portalegre há miudos a manter a tradição...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não fazia ideia que em Portalegre se mantivesse essa tradição. O Samuel diz que se ficava pelas casa dos vizinhos, só.

      Eliminar

Os comentários são sujeitos a moderação. Seja construtivo :)