Não se sabe ao certo a data de nascimento de Gil Vicente.
Alguns historiadores apontam para 1460, 1466 ou mesmo 1470/75, mas não há um consenso
e mesmo as datas sugeridas baseiam-se em estimativas relativas à datação de
algumas das suas obras.
Gil Vicente é considerado o pai do teatro português,
para o qual contribuiu como poeta, músico, actor e encenador. A sua obra reflecte a mudança sentida nos tempos entre a Idade Média e o Renascimento, criticando
uma sociedade regida por regras inflexíveis e assinalando a mudança para uma
sociedade que questiona as lacunas existentes e procura corrigi-las.
Ainda me recordo vagamente de ter estudado Gil Vicente na
escola, apesar de já não saber ao certo em que ano escolar a sua obra é
abordada. O Auto da Barca do Inferno é certamente uma das suas peças mais conhecidas,
não só pela parte de ser estudada todos os anos a nível nacional, mas também por
ser frequentemente exibida em alguma companhia de teatro.
Ainda assim, aproveitei o lançamento desta edição da Guerra
e Paz para reler e recordar a obra. Não me canso de elogiar esta colecção de
clássicos. Para além da enorme diversidade de títulos já disponíveis, as capas
são lindíssimas e embelezam bastante as minhas estantes.
Sei que é muito pouco provável que quem está desse lado a
ler estas palavras não esteja familiarizado com a história do Auto da Barca do
Inferno, mas pelo sim pelo não aqui fica algum enquadramento…
O Auto da Barca do Inferno é a primeira parte da trilogia
das Barcas, seguindo-se o Auto da Barca do Purgatório e o Auto da Barca da
Glória. Trata-se de uma obra que retrata a sociedade lisboeta do séc. XVI e
centra-se na “moralidade” da época, apesar de muitos dos assuntos criticados ainda
serem actuais nos dias de hoje.
A história desenrola-se num cenário pós morte,
em que os personagens se preparam para entrar na barca que os deverá levar ao
Paraíso. Mas ao chegarem ao porto encontram não uma, mas duas barcas. Na barca
mais enfeitada encontra-se o Diabo, que tenta aliciar os personagens a entrar a
bordo. A barca mais modesta pertence ao Anjo, que só transportará para o Paraíso aqueles que de facto mereçam o descanso eterno.
No entanto, e apesar de ser sempre bom reler o Auto da Barca
do Inferno, o que me fez comprar o meu exemplar foi a referência a uma história
de Gil Vicente que não conhecia: O Pranto de Maria Parda.
À semelhança do que encontramos noutras obras do autor, O
Pranto de Maria Parda retrata as classes baixas e os seus vícios/ defeitos.
Neste caso, Maria Parda é uma mulher alcoólica que vagueia pela cidade, mendigando
vinho em todas as capelinhas que encontra e tentando ainda que os taberneiros
tenham pena da sua sede insaciável e que fiem um copito ou dois.
Esta peça terá sido publicada em 1522 e supõe-se que a sede de
vinho seja na verdade uma crítica às condições complicadas em que o povo vivia
no séc. XVI. Talvez “crítica” não seja a palavra mais correcta neste contexto.
As peças de Gil Vicente eram exibidas para os membros das classes altas e
talvez esta peça surja mais como uma forma de lembrar/ mostrar aos nobres que o
povo passava fome.
Ler Gil Vicente é sempre um deleite mas, ao mesmo tempo, não é propriamente
fácil. A linguagem não está adaptada aos dias de hoje. As
notas de edição ajudam bastante, mas é claro que “traduzir” Gil Vicente para o
português actual seria “castrar” a obra do seu encanto natural. Além disso, são
obras muito nossas que apresentam um retrato muito fiel do que era à época o
povo português. -Vamos fingir por um momento que muitos destes valores não continuam actuais. - A juntar aos benefícios da leitura também é importante referir que a escrita em forma de verso ajuda a que as páginas do livro voem rapidamente. E se por acaso voarem demasiado depressa, há mais obras do autor que vale a pena conhecer!
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